A palavra “resiliência” tatuada na perna direita da atacante Glaucia representa uma trajetória de vida de uma atleta que superou grandes desafios até realizar seu maior sonho: a primeira convocação para Seleção Brasileira principal. Aos 32 anos, Glaucia superou três lesões graves no ligamento cruzado anterior e enfrentou a depressão. Hoje, ela comemora todas os aprendizados com as dificuldades vividas e o reencontro com o técnico Arthur Elias.
Glaucia iniciou a carreira no São Bernardo, clube onde alcançou protagonismo e permaneceu por quatro temporadas. Em 2011, chamou atenção de um treinador que iniciava no Centro Olímpico uma carreira promissora e muito vitoriosa no futebol feminino: Arthur Elias. Ela aceitou o convite e, com Arthur, foi vice-campeã paulista e artilheira da competição com 24 gols, ao lado da companheira de time Debinha.
A atleta destacou o quanto esse momento foi importante na sua evolução física e na parte técnica. Uma das muitas lições com o “professor” Arthur está marcada na memória e em jogos de sua carreira.
“Eu sempre chutava na diagonal no alto e um dia ele parou o treino e mandou chutar no canto. Eu errava muito. Chutei umas 20 bolas até acertar. Eu guardo isso comigo. Tanto que eu tenho gols com chute em diagonal como ele me ensinou. Ele tem uma grande importância na minha evolução e no meu crescimento”, contou a atleta.
Embora tenha passagens nas seleções sub-17 e sub-20, atualmente, com Arthur Elias à frente da seleção principal, Glaucia vê uma oportunidade de continuar seu processo de amadurecimento. Confiante, ela garante que sabe como seu potencial pode contribuir no estilo de jogo do treinador, com produção ofensiva, solidez defensiva e um time intenso, agressivo e com vontade de atacar.
“Ele é muito ofensivo e ataca com muitas atletas, o que facilita muito para quem é atacante ou meia. Mas o time também tem um poder muito grande de voltar para marcar. Aqui ele joga com uma 9 centralizada. Isso é muito importante porque também sei fazer, assim como consigo me adaptar a ser meio campo. Eu tenho muito arranque de 30 metros. Consigo me dar bem tanto para ser uma central quanto para ajudar com passe e com infiltração”, explicou.
Desafios e superação
Há duas temporadas no Flamengo, Glaucia teve passagens com grande destaque por clubes como Santos e São Paulo. Para ela, a “virada de chave” para a ascensão na carreira foi depois da sua ida para o futebol coreano, quando tinha apenas 19 anos. O que ela não imaginava era que quando aceitou a proposta estava prestes a enfrentar o momento mais difícil de sua carreira. Na Coreia, no Jeonbuk, Glaucia viveu o choque cultural e se viu diante de uma rotina exaustiva. Treinos árduos, poucas horas de sono e dificuldade para se adaptar à alimentação local.
“Eu tive três lesões de LCA, mas a maior dificuldade foi, sem dúvida, na Coreia. Foi onde eu entrei em depressão, que mudou meu corpo completamente. Quem me conhecia antes de 2011 sabe o quanto eu era forte fisicamente, mas na Coreia, eu estava dormindo duas horas por dia e treinando intensamente. Minha alimentação não era adequada. Foi um momento muito difícil”, relembrou ela.
O desgaste físico logo se transformou em um desgaste mental e o sentimento era de solidão. Glaucia não conseguia se adaptar à nova vida e, pela primeira vez, pensou em desistir.
“Eu pedia para ir embora todos os dias. Queria devolver o dinheiro do contrato mas meu técnico me impediu. Ele me disse: ‘Eu não vou deixar você ir embora. Se você for, você vai fechar a porta não só da Coreia, mas da sua carreira’. Eu não entendi na hora, mas, com o tempo, vi que ele estava certo”, reconheceu Glaucia, que retornou ao Brasil em 2013.
“Quando voltei, comecei a procurar ajuda, a conversar com psicólogos, a me apoiar na minha família, nos meus amigos e nas minhas companheiras de time. Tudo isso foi essencial na minha recuperação”, afirmou.
Ela voltou ao Centro Olímpico e depois teve passagens por São Caetano e São José. Lesionou o ligamento cruzado anterior do joelho direito e ficou fora de toda temporada do clube. Recuperada, Glaucia apostou em mais uma experiência no futebol coreano e em 2015 atuou pelo Red Angels. Com uma passagem discreta, retornou para o São José. Mais uma vez lesionou o ligamento cruzado anterior. Encarou mais um período de recuperação longo, atuou no Iranduba e Sport, quando deu “a volta por cima”.
Em 2018, Glaucia foi novamente para Coreia, e no KSPO, foi artilheira da equipe e terceira da liga do país. Nesse momento ela entendeu o quanto tinha sido importante o cuidado do seu antigo treinador. “O que ele fez por mim naquela época não tem preço. Eu voltei à Coreia, joguei em mais dois times e passei a ver o país de outra forma. Hoje, é um lugar que eu gosto. Se eu tivesse ido embora, teria fechado muitas portas e não só da Coreia, por minha irresponsabilidade de desistir no meio do caminho”, completa.
Seleção Brasileira
Glaucia lutou por alguns anos para aprimorar a forma física e conviveu com comentários sobre estar acima do peso. O esforço e dedicação tiveram o resultado tão sonhado. O apoio emocional e a ajuda de profissionais de clubes em que passou deram a confiança que faltava a ela para acreditar que poderia alcançar resultados que a levariam para a seleção.
“Eu precisei me adaptar à minha nova versão. Não foi fácil, mas consegui. O Flamengo fez todo um projeto comigo, e eu passei a trabalhar muito o meu corpo e perder peso. Muitos diziam que eu não estava na seleção por causa disso. Hoje eu sei que estou no caminho certo e não quero parar.”
A resiliência levou Glaucia a conquistar uma das 30 vagas na lista da primeira convocação do técnico Arthur Elias em 2025. No início de fevereiro, quando a lista foi finalmente divulgada, ela pôde comemorar a oportunidade de estar na primeira Data Fifa com a seleção principal e ter vencido todas as adversidades que surgiram ao longo de sua jornada no futebol.
“Hoje, olho para trás e vejo que todos os momentos difíceis foram necessários. Conquistei o que parecia impossível, e, para mim, foi muito importante o caminho que percorri para chegar até aqui”, finalizou Glaucia.
*Com Confederação Brasileira de Futebol