Rafael Nadal pisou em uma quadra para disputar sua última partida oficial no mês passado, no dia 19, para defender a Espanha na Copa Davis. Com a derrota para o holandês Botic van de Zandschulp chegava ao fim uma das carreiras mais vitoriosas e brilhantes, e se despedia do esporte uma verdadeira lenda viva.
Dono de 22 títulos de Grand Slam, Nadal escreveu um texto de despedida para o tênis na plataforma The Players’ Tribune intitulado The Gift (O presente, na tradução para o português). Ao longo dos parágrafos, Rafa revisita os anos dedicados ao esporte, as lições, as vitórias, os títulos, as derrotas, as emoções, e chega a revelar que lidou com questões mentais durante um período de sua carreira de 20 anos.
“Passei por um momento muito difícil, mentalmente, alguns anos atrás. Eu estava muito acostumado com dor física, mas houve momentos na quadra em que tive dificuldade para controlar minha respiração e não conseguia jogar no mais alto nível. Não tenho dificuldade em dizer isso agora. Afinal, somos seres humanos, não super-heróis. A pessoa que você vê no centro da quadra com um troféu é uma pessoa. Exausta, aliviada, feliz, grata, mas apenas uma pessoa”, escreveu Nadal em um dos trechos.
Leia abaixo o texto completo de Rafael Nadal:
Quando eu era jovem, aprendi uma lição que ainda está na minha mente.
Não sei exatamente quantos anos eu tinha, mas acho que tinha uns 12. Naquela idade, eu adorava pescar. Adoro o mar, porque sou de Maiorca, e no meu caso o mar faz parte da minha vida. É sobre a sensação de estar perto do mar, sentado nas pedras com sua família e amigos, ou em um barco — a desconexão e a paz que você sente são algo especial. Um dia, fui pescar quando poderia estar treinando. No dia seguinte, perdi minha partida. Lembro que estava chorando no carro no caminho de volta para casa, e meu tio, que naquela idade jovem teve uma grande influência sobre mim, e que foi quem me fez me apaixonar pelo tênis, disse: “Está tudo bem, é só uma partida de tênis. Não chore agora, não faz sentido. Se você quer pescar, pode pescar. Sem problemas. Mas você vai perder. Se você quer ganhar? Se você quer vencer, então você tem que fazer o que tem que fazer primeiro”. Foi uma lição muito importante para mim. Se as pessoas me veem como um perfeccionista, então isso vem daquela voz interior que estava me chamando na viagem de carro para casa. A voz nunca me deixou. Um dia, eu posso estar no mar. Hoje e amanhã… Eu tenho que treinar.
Eu não era uma criança que realmente tinha ídolos esportivos.
Eu suponho que isso tem a ver com meu caráter maiorquino. Meus heróis eram pessoas que eu conhecia na vida real. Mas quando eu tinha 12 anos, eu pude jogar com Carlos Moya pela primeira vez. Um compatriota espanhol, também de Maiorca. O campeão do Aberto da França e o primeiro jogador espanhol a ser o número 1. Eu estava tão nervoso só de bater algumas bolas com ele. Foi uma experiência inesquecível, uma janela para outro mundo. O tênis estava se transformando de algo que era apenas para diversão — um jogo de criança — para um objetivo real para viver. Isso me fez sonhar um pouco mais. Um dia, talvez eu possa jogar em Roland Garros…
Mas a dor é uma das maiores professoras da vida.
Eu me machuquei quando tinha 17 anos e me disseram que eu provavelmente nunca mais jogaria tênis profissional. Aprendi que as coisas podem acabar em um instante. Não é apenas uma pequena fissura no meu pé, é uma doença. Não há cura, apenas tratamento. Síndrome de Mueller-Weiss. O que isso significa? Você vai da maior alegria a acordar na manhã seguinte sem conseguir andar. Passei muitos dias em casa chorando, mas foi uma grande lição de humildade, e tive sorte de ter um pai — a verdadeira influência que tive na minha vida — que sempre foi tão positivo. “Nós encontraremos uma solução”, disse ele. “E se não encontrarmos, há outras coisas na vida fora do tênis.” Ouvindo essas palavras, mal consegui processar, mas graças a Deus, depois de muita dor, cirurgias, reabilitação e lágrimas, uma solução foi encontrada e, por todos esses anos, consegui lutar contra isso.
Tênis é um esporte que exige muito de você mentalmente, mas há muitos momentos de alegria que nunca esquecerei.
A Copa Davis em 2004, Roland Garros em 2005, claro, Wimbledon em 2008. Mas então tem meu primeiro US Open, e quando fechei o círculo dos torneios do Grand Slam em Melbourne. E não esqueço aqueles torneios como Madri e Barcelona no meu país, ou Indian Wells em Miami, ou Cincinnati, onde ganhei pela primeira vez em 2013, ou o lindo Monte Carlo, ou o sentimento especial de Roma, ou Xangai e Pequim com aqueles fãs incríveis… Canadá, México, Chile, Brasil, meus primeiros dias em Buenos Aires… tantos. Estou cheio de memórias incríveis. No entanto, você nunca pode parar de se esforçar. Você nunca pode relaxar. Você sempre precisa melhorar, e essa tem sido a constante da minha vida. Sempre ultrapassar os limites e melhorar. Foi assim que me tornei um jogador melhor.
Por 30 anos, a imagem que estava transmitindo ao mundo nem sempre era o que eu estava sentindo por dentro.
Honestamente, eu ficava nervoso antes de cada partida que já joguei — isso nunca te deixa. Toda noite antes de um jogo, eu ia para a cama sentindo que poderia perder (e também quando eu acordava de manhã!). No tênis, a diferença entre os jogadores é muito tênue, e entre os rivais ainda mais. Quando você entra na quadra, tudo pode acontecer, então todos os seus sentidos devem estar despertos, vivos. Essa sensação, o fogo interior e os nervos, a adrenalina de entrar e ver uma quadra cheia, é uma sensação muito difícil de descrever. É uma sensação que poucos conseguem entender, e algo que tenho certeza que nunca mais será o mesmo agora que estou me aposentando como profissional. Ainda haverá aqueles momentos jogando exibições e talvez outros esportes também. Eu sempre vou competir e tentar dar o melhor que puder, mas não será a mesma sensação de entrar na frente dos fãs em qualquer estádio.
Durante a maior parte da minha carreira, eu fui bom em controlar essas emoções. Com uma exceção.
Passei por um momento muito difícil, mentalmente, alguns anos atrás. Eu estava muito acostumado com a dor física, mas houve momentos na quadra em que tive dificuldade em controlar minha respiração e não conseguia jogar no mais alto nível. Não tenho dificuldade em dizer isso agora. Afinal, somos seres humanos, não super-heróis. A pessoa que você vê no centro da quadra com um troféu é uma pessoa. Exausta, aliviada, feliz, grata — mas apenas uma pessoa. Felizmente, não cheguei ao ponto de não conseguir controlar coisas como ansiedade, mas há momentos com cada jogador em que é difícil controlar sua mente e, quando isso acontece, é difícil ter controle total do seu jogo. Houve meses em que pensei em dar uma pausa completa no tênis para limpar minha mente. No final, trabalhei nisso todos os dias para melhorar. Eu conquistei isso sempre seguindo em frente e, lentamente, voltei a ser eu mesmo. O que mais me orgulha é que eu posso ter tido dificuldades, mas nunca desisti. Eu sempre dei o máximo.
O tênis também é um professor da própria vida.
Na maioria das vezes, você não ganha o torneio que joga. Não importa quem você é, no final de muitas semanas, você perdeu. A vida real é a mesma. Você aprende a viver com os momentos de alegria e os momentos de dor, e tenta tratá-los da mesma forma. Nos bons momentos, nunca pensei que era o Superman, e nos momentos ruins, nunca pensei que era um fracasso. O que faz você crescer como pessoa é a própria vida — os fracassos, os nervos, a mágoa, a alegria, o processo de acordar todos os dias e tentar ser um pouco melhor para atingir seus objetivos.
No fundo, quando tudo está dito e feito, a pessoa recebe o que dá.
Espero que meu legado seja que sempre tentei tratar os outros com profundo respeito. Essa era a regra de ouro dos meus pais. Quando eu era criança, meu pai sempre me dizia: “Inventar é difícil. Copiar é muito mais fácil”. Ele não estava falando sobre tênis. Era sobre a vida. Olhe ao seu redor e observe as pessoas que você admira. Como elas tratam os outros. O que você ama nelas. Aja como elas e você provavelmente viverá uma vida feliz. Eu levei essa lição comigo para cada partida que joguei. Eu não era alimentado pelo ódio dos meus rivais, mas por um profundo respeito e admiração. Eu simplesmente tentava acordar todas as manhãs e melhorar um pouco, para poder acompanhá-los. Nem sempre funcionava! Mas eu tentava… Eu sempre tentava.
Por mais de 30 anos, dei tudo o que pude a este jogo. Em troca, recebi alegria e felicidade. Alegria e felicidade, amor e amizade, e muito mais… Atenciosamente, Rafa.