José Roberto Guimarães é o vencedor do Troféu Adhemar Ferreira da Silva em 2024. A estatueta, que será entregue na cerimônia do Prêmio Brasil Olímpico (PBO), realizado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), na próxima quarta-feira, 11, no Vivo Rio, é o reconhecimento palpável de uma carreira que vai muito além do que é tangível.
Cinco vezes medalhista olímpico, Zé Roberto, como todos conhecem, não tem uma medalha dos Jogos para chamar de sua. Em Olimpíadas, somente os atletas recebem a láurea. Mas o treinador dono de três ouros, uma prata e um bronze, ainda quente no coração, não sente falta delas na parede. Seu maior legado é outro: os valores que ajudou a construir no vôlei brasileiro.
“A cada ciclo existe uma geração diferente, mas o que eu acredito que a gente tem feito bem é a filosofia não mudar. A ideia do quanto é importante estar entre as melhores do mundo, participar dos Jogos, uma medalha de ouro, quanto é importante representar 220 milhões de brasileiros. É como se fosse uma família em que os pais tentam transferir valores. Esses são os valores da nossa seleção, que a gente tem conservado durante anos”, diz o treinador.
Na quarta, Zé vai receber o Troféu Adhemar Ferreira da Silva, que é destinado a personalidades do esporte que representam os valores que marcaram a carreira e a vida do bicampeão olímpico no salto triplo, como ética, eficiência técnica e física, esportividade, respeito ao próximo, companheirismo e espírito coletivo.
São valores que marcam também a carreira de Zé Roberto, treinador que há 21 anos serve à Seleção Brasileira feminina de vôlei com princípios muito claros. “O resultado não pode ser construído a qualquer custo, mas pelo que você batalhou, por todo o sacrifício que realizou. Minha vida toda foi assim. Eu acredito muito no espírito olímpico. Os valores de família, os valores que meu pai me ensinou, os valores que levo como legado do Bebeto, do Jorjão [Jorge Barros], do Paulo Márcio, são valores que eu tento passar que são importantes”, avalia o treinador.
Zé Roberto e seus valores estão no vôlei brasileiro desde o final dos anos 1960. O levantador não tinha talento nato para jogar vôlei, mas treinou muito, chegou à Seleção Brasileira e, aos 22 anos, aos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976, quando o amadorismo ainda imperava no esporte.
Quando parou de jogar, aos 34 anos, teve a “sorte”, na visão dele, de receber um convite que mudou para sempre sua história. Mas Bebeto de Freitas sabia bem o que estava fazendo ao chamá-lo para ser assistente técnico na seleção masculina.
“Passei a participar de grandes competições, trabalhar com um grande treinador, viver uma realidade completamente diferente, estar no meio dos melhores jogadores do mundo, melhores treinadores do mundo, era tudo aquilo que eu sonhava. E acho que eu tive muita sorte no meu início de carreira”, afirma ele.
Em 1990, a seleção masculina foi quarta colocada no Mundial em São Paulo e Zé Roberto, que virou treinador dos times sub17 e sub19, ganhou duas pratas nos Mundiais de base. Não era apenas sorte, e Carlos Arthur Nuzman, então presidente da CBV, reconheceu isso, chamando-o para ocupar o lugar de Bebeto, que havia aceitado treinar um time na Itália.
“Não tenho experiência, nunca dirigi nenhum grande time em nenhum campeonato importante. Não sei se sou capaz”, respondeu, mas Nuzman insistiu. “Nós acreditamos em você e achamos que você tem condição, vou te ajudar naquilo que puder”, respondeu o dirigente. “Nuzman e o Paulo Márcio (Nunes da Costa, morto em julho) me ajudaram muito”, lembra Zé.
Aos 37 anos, o técnico assumia a seleção adulta sem experiência relevante, mas com muita vontade de trabalhar. O vento passou a soprar a favor da seleção e de Zé Roberto em um jogo contra Cuba, então arquirrival, em um Ibirapuera lotado, pela Liga Mundial. O jogo estava no tie-break, 11 a 8 para o Brasil, que sacava. A bola voltou de cheque para Carlão, que atacou.
“Só que a rede balançou. O Diago, levantador de Cuba, puxou a rede por baixo e o juiz não viu, achou que tinha sido mão na rede do Carlão. Levantei do banco, não podia, fui tentar mostrar para o juiz que o Diago tinha tocado propositalmente. Depois, dedo em riste, atravessei a quadra apontando para o Diago e elogiando a mãe dele. Foi aquela confusão, e vi os nossos jogadores todos vindo me tirar. Volto para o banco, cartão vermelho, dois pontos para Cuba.”
Na bola seguinte: “Nunca vi o Giovane saltar tanto na minha vida”. Havia oito anos que o Brasil não vencia Cuba, e o tabu caiu naquela noite de sexta-feira. No domingo, nova vitória de um novo Brasil. “Eu já vi o pessoal olhando um pouco diferente para mim”, conta.
O gesto de encarar Diago não foi de caso pensado, mas permitiu a Zé Roberto ganhar o grupo que, em Barcelona, conquistaria uma histórica medalha de ouro. Ele ainda levou o Brasil ao inédito título da Liga Mundial de 1993 e a outros três pódios, e permaneceu à frente da seleção até depois dos Jogos de Atlanta.
Depois disso, deixou o vôlei, chegou a ser gerente de futebol no Corinthians, mas voltou para treinar uma equipe feminina, o Finasa/Osasco, pelo qual foi tri da Superliga. Enquanto assistente na seleção masculina, de 1989 a 1992, Zé já havia trabalhado com times femininos, mas essa nova mudança foi desafiadora. Ele, no entanto, contou com uma grande aliada.
“Eu tive que mudar muito ao longo dos anos para ser técnico do feminino, porque eu não era um técnico que falava muito, eu sou tímido, não é muito simples. Mulher fala mais, também gosta de ouvir mais. Eu tive que mudar meu próprio comportamento e quem me ajudou muito foi a Alcione, minha esposa. Foi ouvindo minha mulher e minhas filhas que fui melhorando os relacionamentos, porque ser técnico também é relacionamento”, conta o técnico.
Com base na família, que nunca deixou de ser prioridade, a seleção é a segunda, Zé Roberto construiu uma história inspiradora e vitoriosa na seleção feminina de vôlei a partir de 2003. Foi ouro nos Jogos de Pequim-2008 e Londres-2012, prata em Tóquio-2020 e recentemente bronze em Paris-2024. Também levou o Brasil a três medalhas de prata e uma de bronze em Mundiais e a três títulos do Grand Prix.
Além disso, montou o projeto de sua vida, o Barueri Vôlei, um dos principais clubes formadores do País. “Eu sempre falo que o mais importante, para mim, foram as oportunidades que eu tive, quando as pessoas acreditaram que eu podia construir alguma coisa. Com o projeto de Barueri, eu me sinto realizado ao poder dar essas oportunidades para essas meninas, não só para serem jogadoras de vôlei, mas estudarem em boas escolas, se formarem, terem uma profissão.”
Agora, todo esse legado é reconhecido com o Troféu Adhemar Ferreira da Silva. “Fico muito honrado com o prêmio por dois motivos. Primeiro, pela admiração pelo Adhemar Ferreira da Silva, significado dele para o esporte brasileiro e mundial. E segundo pelo reconhecimento do COB nessa homenagem. Ser algum dos brasileiros a receber essa honraria me deixa muito feliz porque era um sonho de adolescente representar meu país, vestir a camisa da seleção, era meu grande sonho que consegui realizar”, encerra Zé Roberto.
*Com Comitê Olímpico do Brasil