Quando entrou na sala principal do Château de Saint-Ouen, base do Comitê Olímpico do Brasil (COB) nestes Jogos Olímpicos Paris-2024, Raquel Kochhann não imaginava que sairia dali como porta-bandeira do Time Brasil na Cerimônia de Abertura do maior evento multiesportivo do mundo. Atleta do rugby 7, uma das líderes das Yaras, alcunha da seleção brasileira, Raquel acreditava que estava ali para contar a sua história de vida. E que história. Dois cânceres superados para voltar a vestir a camisa do Brasil, ser sinônimo de disciplina e inspirar as pessoas com seu exemplo.
Raquel tem 31 anos e é natural de Saudades, em Santa Catarina. Nos seus olhos verdes, percebe-se a humildade e a resiliência de quem teve de enfrentar desafios gigantes nos últimos dois anos para seguir no sonho olímpico. Diagnosticada com dois tipos de câncer, na mama e no osso esterno, além de realizar uma cirurgia para reconstrução do ligamento cruzado anterior do joelho, a jogadora precisou enfrentar outra batalha, desta vez fora do campo de rugby e pela sua saúde.
“Antes das Olimpíadas de Tóquio eu percebi um caroço na mama direita e conversei com o pessoal médico da Confederação, mas os exames estavam tranquilos. Seis meses depois esse caroço tinha duplicado de tamanho. Retirei e a biópsia apresentou células cancerígenas. Depois encontraram anormalidade no esterno e comecei a fazer radioterapia e quimioterapia para neutralizar esse câncer. Hoje ainda sigo com o tratamento de bloqueadores”, explicou.
A reação das Yaras, naturalmente, foi de preocupação com Raquel. Mas ela apresentou uma perspectiva diferente para enfrentar a doença. Com a solidariedade das companheiras de seleção e uma nova função, desta vez fora do campo, a jogadora conseguiu superar as adversidades para neste ano voltar a disputar os Jogos Olímpicos em sua terceira participação.
“Sempre estive no grupo de liderança e a primeira reação das meninas foi de baixarem a cabeça. Mas falei que não queria aquele clima, com energia daquela forma. Era uma doença séria, que precisava de atenção, mas não era o fim do mundo, era um processo. Como a gente lida com isso também muda a nossa energia, o nosso corpo. Até brinquei com as meninas que poderiam fazer piadas, não queria tornar aquilo algo pesado. Foi isso que me ajudou no processo”, analisou.
“Meu time é incrível e sempre me ajudou muito com a saúde mental. Nos treinos elas sempre brincavam e me ajudavam e eu retribuía como podia, mesmo que não pudesse treinar. Ajudava filmando com o drone, com feedback. Esse coletivo me auxiliou no processo e foi dessa maneira que encarei o tratamento: um passo de cada vez para voltar ao campo”, completou Raquel.
A chegada aos Jogos de Paris, então, foi considerada uma vitória para a brasileira. E um presente veio logo antes da Cerimônia de Abertura, com o convite para ser um dos porta-bandeiras do Brasil no evento. Nos olhos marejado de emoção, Raquel revelou a honra de receber tal convite. E aproveitou para revelar que tem afinidade com o seu companheiro na missão porta-bandeira, Isaquias Queiroz.
“No Brasil a gente trabalha muito para que o rugby cresça e ganhe seu espaço. A gente sabe que a realidade do nosso esporte não é ter uma medalha de ouro numa Olimpíada por enquanto, apesar de termos esse sonho. Mas sempre vi que quem carrega essa bandeira tem uma história incrível, com medalhas de ouro, e representa uma grande conquista. Muito obrigada, de verdade, por essa honra. Vou dormir com essa bandeira do meu lado”, afirmou.
“Acompanho quase todos os atletas do Time Brasil, mas o Isaquias para mim sempre foi inspiração. Fui professora de canoagem, remo e vela no projeto Navegar, em Caxias do Sul. Sempre o vi e dizia ‘esse menino vai longe’. Que honra estar ao lado dele. Vamos ter dois atletas incríveis como porta-bandeiras em Paris 2024. Rugby e canoagem, dois esportes que não são tão populares, mas que têm grandes atletas no Brasil”, endossou.
Pelas boas-novas que recebeu após superar dificuldades em um ciclo olímpico diferente, Raquel tem o poder de inspirar. Trazer a sua história de superação à tona é uma forma de representar o olimpismo em sua essência: excelência, respeito. Exemplo. Certamente, ao carregar a bandeira nacional, Raquel levará consigo vários brasileiros, que serão representados por ela no próximo dia 26 de julho, data da Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos Paris 2024.
“Todo mundo tem dificuldades, mas minha história vem pra mostrar para as pessoas que existe vida depois de um diagnóstico de câncer. Tudo depende de como você encara isso. Quando você consegue levar de cabeça erguida, energia alta, quando está cercado de pessoas com energia boa do teu lado, tudo é possível, até chegar no maior evento esportivo mundial mesmo depois de um processo tão doloroso”, finalizou Raquel, traduzindo em palavras a sua jornada de resiliência. Da luta à honra.
*Com Comitê Olímpico do Brasil